
Moranduba
![]() Moranduba significa história. Esta é a moranduba de Jurema e MacunaÃma e nos ensina que o amor é a prova dele mesmo. |
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Sinopse
A aldeia indígena de Pindamonhangaba se prepara para a festa do Dabukuri, no entanto, Jurema, a mais bela e espinhosa filha de Tuxua Marani, um provocador de brigas, completa o ciclo lunar de menina e torna-se mulher. Conforme a lei natural, a índia acende o fogo de tatá e esta apta para escolher um guerreiro. No entanto, a espinhosa índia fica provocando os guerreiros que brigam entre si e causam muitas confusões na tribo.
Diante da grave situação, deus Tupã impõe uma tecomonhangaba (regra) para que a paz volte a reinar na aldeia. A pequena índia caiçara deve apagar o fogo de Tatá antes de fechar o primeiro ciclo lunar de mulher, para tanto, deve escolher um guerreiro. Mesmo advertida pelo cacique Morubixaba, Jurema torna-se egoísta e ouve Tuxua Marani, seu pai, que impõe provas de sangue. Para que o guerreiro esteja apto a ser companheiro de sua filha, ele deve escolher uma de três provas: Arrancar as orelhas de um Jaguar (onça) com os dentes, Arrancar o Maracá de uma Maracabóia (Chocalho de cascavel) ou dar um abraço mortal numa cobra grande (Jibóia). Muitos guerreiros se dispõe a enfrentar as provas, mesmo valentes, não conseguem obter êxito.
Em vez da festa do Dabukuri são postos os troncos do Kuarup em homenagem aos mortos. Por fim, aparece Macunaíma que ensina à Jurema que o amor não precisa de provas, pois ele é a prova dele mesmo. Jurema compreende a importância do amor e arrependida aceita Macunaíma como seu companheiro e a tribo finalmente volta a ter paz.
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FICHA TÉCNICA
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Charles Kray: Direção, música, cenografia, texto, confecção e manipulação de bonecos.
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Samuel Falchetti: Composição musical e execução.
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Jerri Job: Composição musical.
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Obra adaptada do livro Morandubetá de Heitor Luiz Murrat
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A Música
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Levando-se em conta que a trama acontece em meio à floresta, a música de cena da moranduba, executada ao vivo, deveria conter sons que representassem as vozes da selva: os gritos coloridos, os alaridos de folhas secas, os tambores e tantos outros componentes dessa sinfonia natural, inclusive o silêncio grave e perturbador.
Mas tudo isso precisava ser executado ao vivo, em espaço reduzido e por, no máximo, dois músicos. A solução foi usar instrumentos pequenos de percussão flautas, cajón, violão, pratos e maracás. E também vozes para conseguir diferentes timbres.
Outro desafio foi não se condenar à mera sonoplastia e imitação dos sons da natureza. Então, utilizamos o canto popular, cantigas de trabalho e rituais para costurar as cenas. E para cada momento específico da peça, utilizamos, violão, cajón, pratos e letras compostas para cada momento da trama.
O espetáculo e a Obra
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Os nossos olhares sempre nos direcionam aos objetos que nos instigam, nos colocam interrogações e nos estimulam o verbo conhecer e conhecer cada vez mais. Podemos dizer que o espetáculo Moranduba criado em 1995 pela então Cia. de Teatro de Bonecos Caras de Totem, hoje Cia. de Teatro de bonecos Titerritório, possui todos estes ingredientes que despertam a criatividade e movem as produções artísticas. Adaptada do livro Morandubetá, escrita por Heitor Luiz Murrat, obra encontrada numa lixeira ao final de uma feira de livros, retrata este olhar que busca e resgata algo que está por se perder. A partir deste momento houve o que chamamos de encantamento. Primeiro pelas histórias que continham o livro. Eram pequenos contos resgatados da cultura oral dos povos Tupy-Guarani. E para o espanto de todos, as histórias eram muito engraçadas, e de certa forma contradizia o que entendemos de comportamento dos índios. Em conversas com o escritor, ficamos sabendo que o índio, visto de forma errada pela nossa cultura eurocêntrica, não é somente aquela figura mística e sempre em contato com entidades espirituais e sim povos que gostam de rir e através da descontração dar grandes lições de vida.
Estes aspectos contribuíram em muito a decisão da montagem da Moranduba de Jurema e Macunaíma. Ao analisar o roteiro, compreendemos que o mesmo, estabelecia diálogos com a cultura popular, mas com todos os aspectos da matriz indígena e assim quebrava certos paradigmas acerca do comportamento destes povos. Talvez um bonequeiro encontrar este texto não seja apenas uma coincidência e se for, foi uma ótima oportunidade de valorizar e mostrar outros aspectos da educação oral índigena, pois adapta-lo ao teatro de luvas (fantoches) foi como potencializar a força da comédia que trazia esta moranduba.
Foi um mergulho de investigação antropológica, e para termos uma ideia de quão genial e precioso o roteiro desta moranduba, a estrutura de construção dos personagens traz no nome de cada um as dicas para construção do seu caráter. O nome da índia que acende o fogo de tatá é jurema (uma arvore espinhosa), seu pai é Tuxua Marani (provocador de brigas), os pretendes Tataíça (fogoso), Carcará (águia matadora), Jacaúna (esperto) e por fim Macunaíma (herói que reúne todas as qualidades) são meticulosamente nominados por suas qualidades. Este estudo aprofunda e demonstra a capacidade destes povos de criar conexões e estratégias para deixarem suas histórias verdadeiras experiências lúdicas.
O grande desafio era não cair nas mesmas estruturas que fazem do índio um ser desprovido de inteligência e perspicácia. A dificuldade era fazer uma comédia sem que o índio fosse o alvo de caricaturas depreciativas. No entanto, a própria inteligência do roteiro nos apontou o caminho e sem cair no lugar comum do índio como um ser espiritual desprovido de graça, chegamos a um espetáculo cheio de picardias como as grandes obras dramatúrgicas do nosso teatro popular. Para tanto, absorvemos as peculiaridades de cada personagem frente às suas façanhas, que mesmo colocados em situações constrangedoras, mostra toda a inteligência deste conto, que num lupping, devolve à história a sabedoria e o orgulho ao povo indígena. Tratar de assuntos tão delicados quanto a entrada na puberdade demonstra a capacidade criativa destes povos. Tratam sem tabus tais fatos e desvelam outras experiências escondidos por detrás de acontecimentos comuns ao ser humano.
A Moranduba nos ensinou que valorizar a cultura indígena é tão simplesmente mostrar a inteligência e a sabedoria destes povos frente aos assuntos tratados como tabus em nossa sociedade. Introduzir estas histórias no nosso cotidiano através do teatro de bonecos fortalece as conexões esquecidas que constroem a brasilidade da nossa cultura. Tornar público as influências que fazem do Brasil este povo alegre e criativo, não cultivando a imagem de um índio totalmente desconectado da nossa realidade e sim tornar consciente a sua contribuição. Portanto, o espetáculo Moranduba não é somente um resgate de uma história e sim a busca de aproximação deste índio desconhecido que se mostra engraçado e que cria histórias cheias de picardia e humor a nossa real cultura brasileira.